sexta-feira, 26 de junho de 2009

Retorno ao mar

Cabe ao momento resgatar alguns prazeres. Quando o mar traz frio, o velho fecha os olhos envolvendo seus braços até tocar os ombros sem concentração que tente compreender algum mistério. Apenas os fecha tocando seu próprio corpo, pois todos os dias vê estas águas e sabe que elas estão lá, mas nem sempre o mergulho conforta o prazer.Disto recai a delicada sensação que ambos devem se conservar.O mar puro e o velho com seus braços magros, exatamente como o presente os faz, pois do prazer nada esperam além de liberdade e alguma solidão que possa fundi-los em harmonia. Com sincera felicidade, todos os dias o velho ama estas águas, mesmo que de olhos fechados envolvendo os ombros para que o frio passe logo e seu corpo retome os passos em direção ao único lugar em que de nada lhe vale compreender mistério algum.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Fome que desaloja

Frente à razão há um espelho. Nesta mesma sala, todas as portas se fecham e todos os assentos presentes possuem uma perspectiva apenas e somente uma maneira de observar o que se reflete. O prédio de nobres colunas reune ávidos famintos com suas dores de estômago, numa fome que abre estradas e desaloja abrigos centenários que resistiam belos e simples até a chegada destas construções. Há de se desejar ver com clareza, pois então fecham-se também as cortinas para que uma luz apenas se direcione sobre o espelho. Lá fora, o cheiro da chuva é forte. Encostam-se e reclinam suas poltronas enquanto aguardam o iluminar da razão nesta sala de cheiro algum. Cada posição, singularmente ajustada, evita contrastes que ofusquem a verdade, única e soberba. A imagem evoca suspiros que ignoram ser este espelho feito somente para refletir um ângulo, existindo apenas para a vaidade da própria razão. Nem cortinas ou cadeiras, nem salas ou prédios seriam necessários, pois tecidos e tábuas vem das roupas e das casas dos que desalojados foram para saciar uma fome inventada por gente gorda. E ao acabar o espetáculo, é essa gente que desfaz o foco, desalinha poltronas e desaloja saberes à espera que outros espectadores, aos prantos emocionados, ofusquem seus olhares por louvor à verdade.