sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

O colapso de sua falsa educação

Poesia e prosa para derrubar escolas


“La tierra, por la magnificencia de sus horizontes, las frescuras de sus bosques y la pureza de sus
fuentes, ha sido y continúa siendo la gran educadora y no ha cesado de llamar á las naciones á la armonía y á la conquista de la libertad.”
Elisée Reclus, geógrafo anarquista



O cheiro...
Filhos de toda uma floresta, arrancados de seus hábitos.
O desjejum, antes forte, colhido com a serenidade da manhã por pais, mães e irmãos, ao cultivo do solo e sob a graça das árvores, perde seu cheiro de brisa fresca.
Doces ervas pisoteadas,exalam um odor desapercebido, num desaprender de dar inveja a mentes cruéis.
Vozes, memórias e saberes enterrados sob a negra capa de dureza moderna.
O filho conta agora com um desconhecido para oferecer-lhe as manhãs.
Pais, mães e irmãos nada mais cultivam, apressados que estão.
O desconhecido lhe fala sobre um outro chão...
Um chão que não se lava.
Sua floresta vai sendo morta por falta de olfato aos cheiros que exala.
Famílias inteiras que não conversam.
Vozes, memórias e saberes enterrados sob a negra capa de dureza moderna.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

O Velho e o Mar

para TUTAMEIA

O corpo delicado de água doce corre para a grandeza sem margens. O velho acaricia a barba rala, num desfrute cotidiano ao despertar com o mar. O cheiro salgado parece embriagar de vida, enquanto ilusões pequenas e fúteis desvairecem com o arder do sol, em um corpo pálido que vai virando moreno.
Compartilha liberdade. Sente o efeito que os longos braços imprimem ao suave toque na areia, como se fosse a sua pele que estivesse sendo beijada, num embaraço desconcertado. Sente-se acompanhado da grandeza e não mais amedronta-se com pequenas tolices, abandonado em seu barraco, como lhe era comum aos dias de misantrópica reclusa. O velho, diante do mar, está em suas águas sem ao menos se molhar. Ignora por completo o tamanho da costa, quando em sua busca por simplicidade, caminha por horas em toda a extensão ensolarada.
Ao entardecer é comum encontrar, um pouco triste, o velho e sua barba na pedra em que costuma sentar. Entristece, pois a beleza é tanta que o faz duvidar de sua duração. Não a duração da beleza... pois o mar será sempre belo e inspirará olhares de amantes mil.... o que realmente lhe preocupa são as indas e vindas do vento, que numa dessas obriga o mar, com seus belos braços longos, em uma onda forte derrubar o velho da pedra em que costuma ficar, afogando-lhe na beleza que tanto admira. Perdido em tanta grandeza, talvez não consiga com seus pequenos braços abraçar com totalidade as águas que lhe envolvem...

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Contos Fracassados

...lançam fora as chaves de sua clausura sempre no despontar das manhãs. Surpreso por sua metamorfose, logo após a primeira das noites sob o poder do incenso, um misto de dúvida e raiva tomou-lhe o sangue como se já não bastasse toda a energia desviada às vísceras num metabolismo autofágico...

À noite imundos hábitos silenciam-se. Ao redor de olhos fechados, formas ganham traços destinados ao fracasso. Cenas de pouca luz, invisíveis a cores tão berrantes, enfeitam ilhas de miseráveis, que sob o signo da chibata dançam a repetição até que seus corpos embruteçam. Certezas tão encardidas, tão empoeiradas, tão necessitadas destes contos fracassados, destas invisíveis cenas...
No fracasso, na eterna sede por sangrar palavras ao fundo abismo entre o incenso e o esgoto, olhares se cruzam atentos, sem cor alguma a procurar, entrelaçando matizes que se abastecem da energia consumida dia após dia, sob a cega claridade que vai deixando insensíveis forças interiores capazes de ativar os sentidos.
Luzes e cores descartáveis iluminam somente o amontoado de carne morta, que baila ao som estridente da obediência, desprezando pequenos vermes que arejam o solo e fragmentam a podridão. Estes, tratados por vermes fracassados, deixam de cruzar a dolorosa fronteira da inversão de papéis que almeja alcançar o cume para poder também comer a carne obediente. A manhã não lhes ameaça o fim do universo onírico que os submerge às trevas, noite após noite, onde seus contos são postos a sangrar.
Sangram e morrem, fracassam por não ter cor alguma para bailar.
Sangram e morrem, fracassam por não ter cor alguma.