terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Genealogia da revolta

"Os primeiros que saem compreendem com seus ossos
que não haverá paraiso nem amores desfolhados
sabem que vão ao lodaçal de números e leis,
a brinquedos sem arte,a suores sem fruto.
A luz é sepultada por correntes e ruídos
em impudico reto de ciências sem raízes.
Pelos bairros há gentes que vacilam insones
como recém saídas de um naufrágio de sangue."

Federico Garcia Lorca "A Aurora" 1929



Eis que teu instrumento tocou as notas azuis do infortúnio quando num verão blasfêmico o sopro excitou tuas costas onde nenhum amante conseguiu tocar.

O gemido, o vinagre e o sal da ferida pueril, limbo ardente da insone gira dos bêbados, fizeram doer o que já era sangue.

Como só agora notaste a melodia quebrar o oco do altar?

O ritmo do rio por entre os sulcos da Terra ressoa troncos vivos em mãos fortes aos ouvidos surdos do deserto até que raízes novas num verão blasfêmico dancem como bêbados insones as notas azuis de um infortúnio ardente.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Quando o velho lança seu olhar para trás

Quando após mil noites de calor o choro teve de ser engolido para aquecer seus ossos fracos, o velho sentiu na pele o suor fresco dos amores de uma vida toda coçar os sulcos dos estragos que os anos lhe causaram. Não ia tão poído mesmo com todo o sereno da volúpia infernal e dos desejos imundos,mas sentia o amarelecer dos dedos tão ácido que podia jurar por amor à vida não tragar mais o fogo eterno dos ébrios.
Ao lançar seu olhar para o passado, o velho sentiu-se tão só como o dia em que viu o mar pela primeira vez. As águas que tantos anos levaram para acumular a maior de todas as belezas choviam sem mais nem menos só para fazê-lo entender que todo corpo deve submergir por completo em grandezas mais profundas que sua própria existência para só assim sentir o grande frescor da vida.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Considerações acerca do encontro com um tal Espólio Imaculado

Cria-se muito nos ares da destruição pois certos hábitos abandonam a forma para respirar o conteúdo. Tinha o mesmo sangue que corria pelas ruas lavadas todo fim de tarde por pés certos e desalmados que lavam as impressões de todo andar que anda errado no mundo. Corria destes certos e destes desalmados, corria sem fôlego como um trago no fumo de um pulmão que arde, trilhas incertas longe sim da sobriedade pois não lhe diziam nada que lhe valesse motivo suficiente para crer que ser errante nestas encruzilhadas podia oferecer desvantagens maiores e mais horrorosas do que ter de caminhar por ruas em que o sangue se esvai com a água para todo o esgoto do esquecimento, de tal forma que a redução da rispidez truncada de um andar cambaleante de nada poderia dedicar tempo gasto de filosofia.
Conheceu Espólio Imaculado na fumaça densa dos estranhos bares quando este lhe disse que também corria, evoluindo ainda ao ponto de sustentar a tese formulada sob longas horas de balcão que enganoso é ocorrer pensar na incoerência que o correr acarreta na vida de alguém que se dedica a desconstruir. Engano aceitável talvez, pois visto que o mundo corre, a desconstrução viria de um andar com calma segundo os mais sensatos, e essa é de fato uma resposta que se encaixa, mas não a preferida de um crítico ansioso, pois eis que a rechaçava. - É preciso mais - dizia com a voz dos bares - suspiram estes corações a beleza inútil do celebrar a vida, mas que vida se celebra? – e agora com a voz dos agitadores – É preciso cheirar lençóis molhados nos quartos dos amantes para entender a vida e correr pra gozar devagar pois que não se goza parado!

E os errantes se perderam, retomando cada um a sua trilha incerta pela fumaça densa dos estranhos bares pois todo errante é solitário.
Foi assim que conheceu Espólio. Logo depois,com voz de ressaca, um gutural clamor por café sucedeu o encontro de bucaneiros em Tortuga.

sábado, 19 de setembro de 2009

A infância de meu pai

O cheiro de goiaba vive lá. Muitos verões choveram água quente pela pele e assim poderiam continuar a escorrer por séculos o tanto que fosse, sem que nada de torrencial nestes anos velhos houvesse para dissolvê-lo. Nem mesmo o sangue que bebeu no copo estreito da esperança disfarçou algum sentido, por mais sabor que lhe faltara nas tardes em que o sol era o sol dos miseráveis. Os verões e o sangue passam tragados pelo tempo e assim há de ser por eras. Não que a vida deva ser pouca, pois esta é tanta e tão intensa quanto uma nau desenfreada rumo à pior tormenta, com suas calhas revestidas pela madeira mais podre destes sujos descaminhos de um mundo cego. Aí está um jeito bom de viver! Um destrambelhar insone que por mais insano e mesmo após muitos verões terem chovido água quente pela pele, nada de torrencial nestes anos velhos foi capaz de dissolver. O cheiro de goiaba ainda vive lá.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Livre

Há muito que sua enxada batia forte. Tão forte que ao chegar um sopro quente em sua pele, sentiu como se num rio estivesse a brincar com sua gente. Tal foi a delicadeza, que sentou para ver o vento com mãos e pés que não se agüentavam mais. Nunca leu palavra alguma da poesia mais simples que fosse, mas via o vento como ninguém, passando com atenção pelas sombras que faziam as folhas na plantação, páginas sem rumo, sem dono, que na lida ensinavam uma vida de pássaro. Observava os bichos comerem frutas, milho, mato; conversava com seu fumo, sua fumaça, sobre as coisas que via. Viu como as cercas eram firmes, como seus calos eram duros, viu a casa grande do Senhor e sua roça formosa. E disso tudo que via, o que mais gostava era o vento, sem rumo, sem dono, sem sofrimento. Por hoje, a lida aos montes lhe cansaria, tanto trabalho que lhe restava na terra que não lhe pertencia. Apagou a guimba na crosta dura da mão e fez com que os pés cansados doessem novamente o sustento que lhe esperava doer. As tais cercas, porém, não bastaram para conter o que o vento lhe contou, pois a noite reserva grandes novidades à sua gente e seu fumo, que sem dono e sem rumo brincarão o sopro quente sob um céu de estrelas.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Anotações sobre metafísica

Fatalista como os seios de uma puta triste.Há sempre uma ferida que geme entorno de seus ares como o vento das prisões, e isso lhe faz falta nos dias de praia em que ondas frescas com o sal dos mares, cicatrizam por instantes o eterno odor.
A certeza é como um câncer que não cresce, pele sobre pele que não se sobrepõe, mal que não cessa e não avança. Há de se notar pelos arredores, que a doença é, e não está sendo; o que lhe lembra de fato um seio eternamente murcho.
Fatalista.
Nada mais sem esperança do que a própria ilusão.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Entre grutas e trilhas desfilam as eras.

Desfrutava do costume de ir às grutas. Rochas e fontes entrelaçando sutilezas com seres e ervas desafiam o hálito e a carne, vulgares ao sabor das eras. Cansada ao descer a trilha, ainda ao ar livre, adormece sobre o colchão da mata e sob o teto de estrelas, comungando o que foi e o que é, neste viver efêmero. O deleite da imaginação não procura um fim. Flui e escorre incertezas do mundo pois tolo seria sonhar apenas ao dormir, caminhando apenas para chegar. Não retorna. Retornar é como um suspiro após a morte. Segue seus passos como quem nunca houvesse repousado. Como quem não tivesse ido a lugar algum.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Muitos

Certos processos desconfiguram o que há. Absurdos inteligíveis nascem e continuam germinando como sementes que não sentem sede, implorando mesmo assim o dia em que a chuva escorra seu conforto. Sentia muito. Sentia por todos os poros tudo o que havia para sentir, e este fardo pesava horrores, o que lhe obrigava a caminhar em silêncio ouvindo, saboreando e inalando a visão do toque na superfície do viver só. Muito a experimentar e o pouco sono a sonhar entre seus amores que não podiam descrever mais do que as figuras coladas nas paredes das lembranças que um dia já viveram, quando a vida era menos dura. Campos secos adornados por flores mortas enquanto cegos sorrisos apressados seguem em direção ao calvário diário dos pobres diabos. Este fardo pesava horrores. Ser um pobre diabo que ao cruzar seu calvário sonhava sonos tão reais que desconfiguravam o que havia sendo imposto e por isso lhe sufocavam os poros a fim de tornar seus sentidos nada mais que absurdos inteligíveis por seus amores, mantendo a chuva longe de outras sementes. Mas sente porém, que certos processos escorrem lentamente por entre os rígidos troncos destas frondosas copas, como a água que em silêncio conforta tudo o que há para sentir, germinando lembranças que um dia vem à tona com um desejo irresistível de semear flores em campos mortos que suplicam a vida.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Retorno ao mar

Cabe ao momento resgatar alguns prazeres. Quando o mar traz frio, o velho fecha os olhos envolvendo seus braços até tocar os ombros sem concentração que tente compreender algum mistério. Apenas os fecha tocando seu próprio corpo, pois todos os dias vê estas águas e sabe que elas estão lá, mas nem sempre o mergulho conforta o prazer.Disto recai a delicada sensação que ambos devem se conservar.O mar puro e o velho com seus braços magros, exatamente como o presente os faz, pois do prazer nada esperam além de liberdade e alguma solidão que possa fundi-los em harmonia. Com sincera felicidade, todos os dias o velho ama estas águas, mesmo que de olhos fechados envolvendo os ombros para que o frio passe logo e seu corpo retome os passos em direção ao único lugar em que de nada lhe vale compreender mistério algum.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Fome que desaloja

Frente à razão há um espelho. Nesta mesma sala, todas as portas se fecham e todos os assentos presentes possuem uma perspectiva apenas e somente uma maneira de observar o que se reflete. O prédio de nobres colunas reune ávidos famintos com suas dores de estômago, numa fome que abre estradas e desaloja abrigos centenários que resistiam belos e simples até a chegada destas construções. Há de se desejar ver com clareza, pois então fecham-se também as cortinas para que uma luz apenas se direcione sobre o espelho. Lá fora, o cheiro da chuva é forte. Encostam-se e reclinam suas poltronas enquanto aguardam o iluminar da razão nesta sala de cheiro algum. Cada posição, singularmente ajustada, evita contrastes que ofusquem a verdade, única e soberba. A imagem evoca suspiros que ignoram ser este espelho feito somente para refletir um ângulo, existindo apenas para a vaidade da própria razão. Nem cortinas ou cadeiras, nem salas ou prédios seriam necessários, pois tecidos e tábuas vem das roupas e das casas dos que desalojados foram para saciar uma fome inventada por gente gorda. E ao acabar o espetáculo, é essa gente que desfaz o foco, desalinha poltronas e desaloja saberes à espera que outros espectadores, aos prantos emocionados, ofusquem seus olhares por louvor à verdade.

domingo, 31 de maio de 2009

Negros cantos

...ou poesia para afastar intelectuais.

Dedos fora de foco percorrem a angustia.
Síndromes dispersas em palavras que se confundem,
negros cantos, livres de totalitária vanguarda.

Vanguarda de seios cultos e gemidos frios.
Sexo algum há de lhe render tremidas de perna,
como uma masturbação que não goza.

Teoria sem prática.
Dialética de lenha verde,
fagulhas explosivas que não acendem fogueira alguma.

Federaliza tua filosofia!!

Não havemos de desejá-la.
Não pertence às nossas angustias,
nossas síndromes dispersas em nosso gozo.

Dedos fora de foco percorrem palavras que se confundem.
Nosso sexo nada culto treme um gemido gutural,
negros cantos, livre de sua miserável vanguarda.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Vestes apodrecem ao sol

...ou poesia para odiar modistas.

Repetem ruídos e teimam em refletir uma ignorância cristã.
Ao meio do dia, envoltos pelo suor dos que lutam, suas vestes apodrecem ao sol.

Seguem frouxos.

Relincham e cospem o lixo de suas bocas regurgitado pelo desprezo às classes.
Cátedras cercadas por vaidade, moral sem nenhuma genealogia.

Sustentam o comum.

Ao preço que satisfaça, a razão põe-se à venda.
Gira num swing que caiba nesta estética.

Salpicadas pelo suor dos que lutam...

...vestes apodrecem ao sol.

sábado, 23 de maio de 2009

Entre frondosas copas de consciência

Há um vale.
Frio e insensato por entre frondosas copas de consciência .

Não se alcança com sobriedade.

Esconde-se em meio a histeria de jovens cores,
pálido apesar de úmido.

Busca coisa alguma o andarilho que cruza suas beiras.
Aventura-se.

Goza que há um vale.
Sombrio e negro por entre frondosas copas de consciência.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Ruas de Tutameia e sua serrapilheira

Enquanto afasta os restos secos e procura profundidade
Educa-se para entender que a superfície não umedece.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Além das palmas a voz do bardo ecoa.

Palmas e cantos rodeiam a fogueira.
O olho do bardo reflete vermelho alaranjado
Quatro movimentos de mão, duas estacas, quatro direções.
Alegria, lágrimas, palmas e cantos.
O bardo reflete.
Flerta sua filosofia certa de amanhecer quieta.

Há um orador.
Senhor de seu rebanho, legislador do momento em que a lenha é colhida.
Dita cânticos,palmas e fogo enquanto cantam, aplaudem e incendeiam.
Nobre Senhor.
Come sem semear.
Cobra a importância de seu bel prazer.

Legiões.
Dia após dia sangram mãos, esvaziam cofres, riem, choram e enriquecem.
Empobrecem enriquecendo santificadas blasfêmias.
Sementes ao solo para alimentar o famigerado legislador,
pois a lei foi criada e isso dá fome!!
O bardo e sua carne, um vermelho alaranjado queima o pecador.

E muito além das palmas, onde árvores resistem em pé,
a voz do bardo ecoa sem tremular louvor a nenhum nobre senhor, legislador de estúpidas ovelhas.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Aos que lutam!!

Pois são como pássaros que repousam no arame farpado.
Liberdade sobre pés cautelosos,
cercas e asas.

Não se pisa em qualquer lugar nesta floresta pois algumas sementes germinam sob sombras.
Velhos corpos que escondem o sol, iluminando o que há por vir
Passado e presente, numa eterna sucessão.

Não se encerra, não se interrompe, pois quando morrem
são como folhas secas ao solo.
Morte e vida sem linhas definidas.
Umidade e pó.

sexta-feira, 20 de março de 2009

O estrangeiro

O corpo imóvel.
Inflexível diante das leis,
torna-se não mais visível.

Excluído de forma bruta, margeia qualquer mente corroída.
Sofre
mas aprende a fazer uso.

Cresce e muda tudo
Invisível e imóvel para toda mente corroída,
rói e desconstrói.

Grita tanto...
geme tanto...
aponta o dedo tão na cara...

Amedronta.

Nunca manteve-se quieto,
mas recebe agora olhares destas mentes focadas na dor.
O que antes invisível era diante das leis, torna-se crível.

Amedronta.

Abala que fere tanto...

A bala que fere tanto...

Deixa seu corpo imóvel.

terça-feira, 17 de março de 2009

Ombro a ombro nas ruas

... e tudo que vai sendo dito pelas paredes
segue ao contrário do escrito nos jornais.

Tensão necessária.

Insônia rebelde que afasta de macias camas condicionadas por frescos ares de comforto.

Ao calor, mexem-se todos.
Infortúnio, ardência, suor que não refresca, sede eterna nunca satisfeita.
Ombro a ombro nas ruas.
Tensão necessária para que nem todo o ar se condicione.

Portas fechadas, cercas cortantes, mais valia e morte.

EXPROPRIA!

Traz às paredes novas frases,
vida nova
pois jornais morrem aos montes
em mãos sofridas de um trem qualquer.

sábado, 7 de março de 2009

O ébrio e a coragem

Não há vôo com asas cerradas ou sangue por veias abertas.
Neste meio sufoca-se com prazer entre cores e ruídos, dia após dia.
E o gozo que goza, golpeia, voa e sangra...
antes que os dedos se esfolem,
procura um trago que seja no copo de qualquer fonte que não lhe deixe soterrar.

Sente diariamente o medo.
Sente o ruído dos aparelhos eletrônicos ligados, das portas da desesperança, do descaso, da felicidade burra e dos rolos que lhe comprimem o corpo atordoando-lhe com pequenas pedras que nos olhos entram como estivesse enterrado.
Golpes que levantam terra repleta de sanguessugas empoeiram tudo o que de cima visível pudesse ser,
mas não se avista...
como se enterrado fosse.

Certas páginas quando deixam de ser folheadas, esquecidas por entre terra e poeira, abandono da paixão comum, morrem jovens, repletas de inspirações.
Dia após dia.

Um trago que seja no copo desta fonte que lhe traga coragem de não deixar soterrar.
Um trago, um sopro de vida que não seja iludida,
a mão sobre a tez suave de uma criança.
O ébrio e a coragem.
Dia após dia.