quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Ser Poeta / 2

Ausente da grande presença
em busca ainda do que não há de vir.

Verso refúgio,
filho de todas as angústias e prazeres
nasce da morte
por um não sei quê
num corpo de não sei como.

Conforta e irrita.

É um viver portanto
na mais pura essência.

Ser poeta

Mais um instante e um novo passado se impõe.
Velho repente do tempo.

A gente em silêncio ri
sonha só.

Vê a gira girar
cantando só.

EPARREI OYÁ!!

...quando pela manhã sorri pro Sol que entra
é por humildade...

Carrega no olhar que ri
a claridade dos tempos
que ilumina a vida mais que qualquer outra luz.

Mudanças

Deixa clarear.
Quem nasce no colo dos pobres clareia a vida sendo a própria luz.
Isso basta.

Assim disseram os que me ensinaram a liberdade sem chorar migalhas ao mundo.
Foram riso e foram suor.
Mas nunca dor.

Dor passa.
E o que fica é luta.
Deixa clarear.
E isso basta.

Depois o vento que sempre vem
quebrou as coisas velhas e varreu a sala com seu jeito de mostrar
levando pra fora o que foi preciso
pro quintal do tempo, onde outra verdade ilumina.
De cor viva, de cheiro forte, de gosto ébrio, de pele úmida.

Mas nunca de sofrimento.
Isso passa.
E o que fica é amor.
Deixa clarear.
E isso basta.

E daí que chego longe a ponto de ver outro povo.
Povo que também ri, que também luta, que também goza.
Companheiros, com alegria e com trabalho.

Mas nunca com arrependimento.
Porque coisa assim passa.
O que fica é ensinamento.
Deixa clarear.
Isso basta.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Irmãos

Y así nos reconocemos 
por el lejano mirar, 
por la copla que mordemos, 
semilla de inmensidad.

Atahualpa Yupanqui - "Los Hermanos"

Quando passarem os corpos no desfile sem cores das ruas, lá não estaremos.

Não estaremos lá quando os dentes carregarem a felicidade vazia dos tempos vividos.

E quando não existir mais nada para não estarmos, a solidão encontrará nossos gemidos e estaremos juntos enfim.

Nossos olhos que choram pertencerão ao breve silêncio de nossa eternidade e assim nos reconheceremos irmãos.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Iansã

Oyá,

descobre do teu jeito que sempre o sol se põe diferente.

Hoje tudo é descoberta, tudo é ar e movimento nesses teus cabelos de terra molhada.

Um dia,
lá longe quando o raio não caía,
o rosto que não via outro rosto que lhe mirasse
esperava sem querer a vida parar de lhe tirar os seus.

Hoje a espera já se foi...

... a força já é tua, mas é desejo teimoso e pede que isso você não esqueça.

Diz com cheiro suave de mata que trovoada demais afasta.
Implora que teu vento seja a fertilidade que vem
trazendo um calmo sono após gozar na tempestade.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Arte só

Foi ao peito o chapéu das horas em respeito ao vazio teatro dos pobres.

Quieto, cabisbaixo e às cócegas com a lama estranha que escorregava pelas marcas do rosto, ouviu os aplausos fantasmas de seus ex-amores em mais uma noite de encenação solitária.
Pelos fundos sai ao porto, trôpego de cinza a negro, de mãos dadas com a ausência até que o sol envergonhe suas feridas expostas.

Segue itinerante o espetáculo, errante por essência.
Mais um poeta artista da fome.



Classes

pra Guilherme, do teu irmão que luta...


É simples.

Uma vez ao ano, flor embucha, fruta vem e quando chuva tem, povo planta.

Gente humilde que não é boba...

trabalha, espera e come.

No trabalho canta, na espera cria e quando come bebe.

É simples.

Gente não humilde que é boba...

não trabalha, só espera, só come.

vive do canto, vive da cria, vive da comida feita por outros.

É triste.

Quando a vida chora gente humilde cala
como é injusta gente boba ri.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Para essa tal vanguarda poética / 2

"De tanto mirar la luna,
ya nada sabes mirar.
Eres como un pobre ciego,
que no sabe a dónde va.
"
El Poeta - Atahualpa Yupanqui


Há de se criar.

sem nada além de luz
sem razão que seja...
pois o mistério exige.

mas se sofre o mundo

cria como quem traz chuva
pra que ninguém se ofusque no feixe claro da ilusão.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Canta

para Cecília e seu sorriso de 110 anos...


Seca a língua do tempo.

Não traz consigo rugas ou virgens dores,
não conta anéis do tronco torto dos anos.

"Canta porque existe,
nem alegre nem triste
Poeta.
"*

Como o silêncio que ri e chora,
tudo que não envelhece por não ser
sonha por necessidade
obediente ao infinito você.

* adaptado de "Motivo"

terça-feira, 7 de junho de 2011

Nêga

Não importa se às vezes úmida e muitas outras árida, seja como for, a ventre - mata do teu corpo continental pariu o mundo.
Cada rebento rasgando a pele preta se desgarrou cedo olhando atrás para cuspir, misturando escarro às lágrimas no relevo desses rios - cicatrizes.

Nêga, tu que ri mesmo dormindo do lado da cama onde se respira mal, continua aos abraços com braços excitados na estranheza de um novo amor, até que um dia deixe de ser estranho e fecunde mais uma vez tua eterna fertilidade, trazendo mais um ritmo, um conto, uma dança, sempre com esse seu sorriso sobre o oceano.

Por fim, quando houver a tal aurora dos novos tempos, oxalá haja beleza nos olhos que te miram! Pois a pele de teu ventre ainda brilha esperando quem lhe beije.

Compas!!

Compas,
nossos sonhos se amaram pela madrugada no frio e no silêncio.

Sem medo ou dor nos pusemos de pé com nossas vidas e a vontade de Vida, com música e calor logo cedo nesse chão de pés descalços.

Compas,
pelo dia as veias vão abertas jorrando e tingindo tudo.

As horas nossas são manchadas com esse sangue e cada vez mais braços morrem em menos terra.

Compas,
mesmo que na chegada de mais uma noite muitos de nós não sonhem de tão exaustos,

estaremos de pé com nossas vidas e a vontade de Vida, com música e calor logo cedo nesse chão de pés descalços para que nossas crianças não sangrem e amem e saibam que a terra é de nossos fortes braços.

Tantos

para Lucas

Cada qual com seus tantos...
... bom mesmo é ser muitos.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Horas Mortas

Soluçam as ruas e as camas
com copos cheios que não enchem
aos tragos nas horas que não trazem.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Cores

Li a viva cor das peles com mãos cheias.

Agora neste papel as palavras e o café preenchem o branco de vida com as que cores que não se pode tocar.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Entre eras e relevos

Olhos e corpos de fluxo e de margem
água que corre
relevo que guia.

Água que hoje lambe montes no ritmo das curvas insensatas e misteriosas,
presa pelo caminho das montanhas
amanhã corre, corta, fura, empurra,
cria e molda quem antes lhe impunha.

água que guia.
pedra que corre.

Olhos e corpos à deriva de suas maneiras de interpretar as eras.

domingo, 8 de maio de 2011

Voltam os versos

Houve um silêncio sim, é verdade
mas daqueles como na onda nova que antes de bater recua.

Sem muito alarde, agonia ou euforia.

Como a cadência da mulher que semeia a terra com seu cheiro
natural e necessária.