sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

O colapso de sua falsa educação

Poesia e prosa para derrubar escolas


“La tierra, por la magnificencia de sus horizontes, las frescuras de sus bosques y la pureza de sus
fuentes, ha sido y continúa siendo la gran educadora y no ha cesado de llamar á las naciones á la armonía y á la conquista de la libertad.”
Elisée Reclus, geógrafo anarquista



O cheiro...
Filhos de toda uma floresta, arrancados de seus hábitos.
O desjejum, antes forte, colhido com a serenidade da manhã por pais, mães e irmãos, ao cultivo do solo e sob a graça das árvores, perde seu cheiro de brisa fresca.
Doces ervas pisoteadas,exalam um odor desapercebido, num desaprender de dar inveja a mentes cruéis.
Vozes, memórias e saberes enterrados sob a negra capa de dureza moderna.
O filho conta agora com um desconhecido para oferecer-lhe as manhãs.
Pais, mães e irmãos nada mais cultivam, apressados que estão.
O desconhecido lhe fala sobre um outro chão...
Um chão que não se lava.
Sua floresta vai sendo morta por falta de olfato aos cheiros que exala.
Famílias inteiras que não conversam.
Vozes, memórias e saberes enterrados sob a negra capa de dureza moderna.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

O Velho e o Mar

para TUTAMEIA

O corpo delicado de água doce corre para a grandeza sem margens. O velho acaricia a barba rala, num desfrute cotidiano ao despertar com o mar. O cheiro salgado parece embriagar de vida, enquanto ilusões pequenas e fúteis desvairecem com o arder do sol, em um corpo pálido que vai virando moreno.
Compartilha liberdade. Sente o efeito que os longos braços imprimem ao suave toque na areia, como se fosse a sua pele que estivesse sendo beijada, num embaraço desconcertado. Sente-se acompanhado da grandeza e não mais amedronta-se com pequenas tolices, abandonado em seu barraco, como lhe era comum aos dias de misantrópica reclusa. O velho, diante do mar, está em suas águas sem ao menos se molhar. Ignora por completo o tamanho da costa, quando em sua busca por simplicidade, caminha por horas em toda a extensão ensolarada.
Ao entardecer é comum encontrar, um pouco triste, o velho e sua barba na pedra em que costuma sentar. Entristece, pois a beleza é tanta que o faz duvidar de sua duração. Não a duração da beleza... pois o mar será sempre belo e inspirará olhares de amantes mil.... o que realmente lhe preocupa são as indas e vindas do vento, que numa dessas obriga o mar, com seus belos braços longos, em uma onda forte derrubar o velho da pedra em que costuma ficar, afogando-lhe na beleza que tanto admira. Perdido em tanta grandeza, talvez não consiga com seus pequenos braços abraçar com totalidade as águas que lhe envolvem...

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Contos Fracassados

...lançam fora as chaves de sua clausura sempre no despontar das manhãs. Surpreso por sua metamorfose, logo após a primeira das noites sob o poder do incenso, um misto de dúvida e raiva tomou-lhe o sangue como se já não bastasse toda a energia desviada às vísceras num metabolismo autofágico...

À noite imundos hábitos silenciam-se. Ao redor de olhos fechados, formas ganham traços destinados ao fracasso. Cenas de pouca luz, invisíveis a cores tão berrantes, enfeitam ilhas de miseráveis, que sob o signo da chibata dançam a repetição até que seus corpos embruteçam. Certezas tão encardidas, tão empoeiradas, tão necessitadas destes contos fracassados, destas invisíveis cenas...
No fracasso, na eterna sede por sangrar palavras ao fundo abismo entre o incenso e o esgoto, olhares se cruzam atentos, sem cor alguma a procurar, entrelaçando matizes que se abastecem da energia consumida dia após dia, sob a cega claridade que vai deixando insensíveis forças interiores capazes de ativar os sentidos.
Luzes e cores descartáveis iluminam somente o amontoado de carne morta, que baila ao som estridente da obediência, desprezando pequenos vermes que arejam o solo e fragmentam a podridão. Estes, tratados por vermes fracassados, deixam de cruzar a dolorosa fronteira da inversão de papéis que almeja alcançar o cume para poder também comer a carne obediente. A manhã não lhes ameaça o fim do universo onírico que os submerge às trevas, noite após noite, onde seus contos são postos a sangrar.
Sangram e morrem, fracassam por não ter cor alguma para bailar.
Sangram e morrem, fracassam por não ter cor alguma.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Um olhar atento que nada procura

Sob o manto sombreado, ervas úmidas descansam com seus ínfimos e dedicados amores. Em espantosa quietude suspiram devagar trêmulas juras de cumplicidade aos que rastejam no solo; força e fragilidade numa pureza que deita pássaros e flores, insetos e arbustos, ao seio da mesma mãe.
Líquen e dossel silenciosamente evoluem e compõe cada qual à sua complexidade o cenário mais belo ao olhar atento daquele que nada procura. O rio, com seu eterno curso, também evolui e faz correr suas águas sem se importar se a carne que procura banho perde o vigor pela indiferente mão do tempo.
Há mulheres e homens nesta mesma floresta partilhando o rastejar do solo, o descanso dos pássaros, cúmplices como tantos outros dos amores harmoniosos das mais ínfimas relações, em paz como ervas ao silêncio de suas sombras. A semente os alimenta em doce gracejo louvando sua chegada ao solo, como parte de um delicado enovelamento de evoluções.

Preto e branco

Não houve piedade até a hora da morte. Ao menos nunca de sua parte escorregou um desviar de olhos que lhe fizesse duas ou mais vezes pensar nos ergástulos asfixiantes através de eufemismos bondosos. Sentia ódio, sentia desprezo incalculável pelos fortes surtos de obediência em que haviam se metido seus semelhantes. Por entre dores fortes no coração, dirigia ásperas centelhas de mau humor preto e branco aos partidários de um só deus.Deus que por entre névoas, desfila soberano frente ao caos e conforma os rebeldes. Cega, emudece, e estoura os tímpanos do frágil amor pela verdade. Amor que revela a face dos doces espíritos, tiranos e corruptores comungando o colorido de um baile que teima em arranjar novas formas de não deixar seus convidados sem bebida. Secam fontes de vinho, criam, desfazem e arrotam porcamente ponto e vírgula de um viver sem causa.
A morte também negou-lhe a piedade. Serviu como tampão dos poros até saciar a embriaguez. Morre como um cão odiado por farejar sombras que olhos insensíveis desprezam. Inspira orgulho à quase ninguém, mas sustenta mesmo assim sobre uma poça de sangue, o corpo desfigurado e seu olhar convicto de paixão eterna pelo único e poderoso amor pela verdade. Não houve mesmo assim piedade alguma até a hora de sua morte.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

R.E.F. escreve a Afonso

...o pior erro do rebanho é achar que o mundo vai até onde a vista alcança.

Tens a chave de suas jaulas em mãos
(e sem dominar teu saber), sabe disso;
mas mantem-se ali por puro medo.
Saiba homem prisioneiro:
- Basta fechar os olhos daí de dentro de tua gaiola;
para que tenha o poder de explodir um mundo-inteiro.

No entanto, abandonado confortavelmente nas poltronas de sua sala escura,
deslumbra-se pela luz e pelo movimento;
que quase hipnotizam .
Os rosto humanos (iguais ao teu) fascinam-te a ponto de alegrar-se pela bruta mudança de ambientes.
Tua desgraça faz que aceite os lugares comuns mais depreciados.

Espectador dos seres e de coisas concretas:
-Isóla-te em seu habitat psíquico, que assim, quase adormece graças ao silêncio da escuridão.
Êxtase!!! Nenhuma outra expressão humana melhor define essa vergonha.
Mas melhor que qualquer coisa, esse estado é capaz de embrutecê-lo.

Tuas portas dominam tuas entradas. Caluniam para teus ouvidos; escondem as chaves; mudam as fechaduras;
Nem se quisesse se libertar.
(Mas não quer!!!)
Elas sofrem para ter grande cuidado em não perturbar tua tranqüilidade.
Deixando fechada a maravilhosa janela da tela sobre o mundo libertador da poesia.
Optam por fazê-lo refletir parcialmente os argumentos que podem compor uma continuação dessa nossa vida comum ( repetindo mil vezes o mesmo drama ou fazendo esquecer as horas penosas do trabalho diário.)!

http://www.tuta-e-meia.blogspot.com/

Luís, o semeador

Junte cinco homens a adorar um outro qualquer que verá como nascem os corvos.
Tudo havia de lhe mostrar... tudo ao seu redor apontava o erro inevitável que estava prestes a cometer. Porém, arrancar vidas inocentes em algum desses lugares já por demais acostumados à morte, não lhe causava mais tanto alarde pois aprendera com seus seguidores que os espíritos só seguem as almas dos assassinos quando estes sujam a mão de sangue. Aprendeu portanto, a lavá-las bem... Descobriu formas de não fitar suas vítimas nos olhos, de nem ao menos saber seus nomes, de escorraçar corpos surrados sem a mínima piedade até que sua fama esteja rejuvenescida. Mais pragas, mais poder! Mais chagas marcam pobres doentes de uma terra envenenada.
Ó semeador, “que a mão do tempo e o hálito dos homens murchem a flor das ilusões da vida”*
Que seus filhos comam algo melhor do que o pão cultivado por suas mãos, pois outros não terão a mesma sorte...morrerão secos como folhas, por tuas fórmulas mirabolantes.

*Joaquim Maria M.de A., Musa Consolatrix 1864

terça-feira, 7 de outubro de 2008

O encanto da morada

Passa por estas portas e sente o nojo de vê-las abertas só aos teus senhores. Segue firme com a ânsia, impede o vômito de sujar tua manga, mas não deixe de golfar, pois sufocaria com a viscosidade da obediência.
Noite passada a mesa foi posta. Refestelam-se com carne de servos, reunidos atrás de cada estandarte. Tal carne não sacia a gula, apodrece e espalha fedor por ruas inteiras, antes mesmo de esvaziarem as bandejas.
Abandona o posto que te designam. Querem sempre te ver onde está agora: do lado de fora dos portões, com o rabo entre as pernas e um olhar de recompensa. Desafia, mesmo que só um pouco, o vigia da entrada, que verá seu desespero encarnado em violência contra teu corpo. Tentará te desmembrar, engolir a seco teus ossos e ainda sim refletirá a postura de mantedor da ordem, pacificador cristão.
Somente isso, porém, não te faz deixar de desafiá-lo. Todas as vezes que passa por estas portas, teu estômago embrulha, o guarda empunha, teu vômito sobe, o punhal lhe corta, teu sangue no chão, tua náusea em vão??!! Teu senhor sabe que não... cada maltrapilho embriagado à sua porta traz tamanha insegurança, que começa a ter medo da própria carne durante a janta. Sabe que um dia o vômito das ruas entra pelas janelas e afoga sua luxúria.
Mas se acha, entretanto, que deve sorrir ao ver o jardim tão belo de seu benfeitor, se acha entretanto que fui imperativo, exagerado ou decadente... põe a mesa, que teu senhor tem fome... retire-se educadamente, retorne a tua pocilga e agradeça tua lavagem diária a Deus e à virgem Maria na hora de dormir entre teus amigos porcos conformados.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

O Cárcere

O pior erro do rebanho é achar que o mundo vai até onde a vista alcança.
Quanta graça desperdiçada dia após dia por esta vasta legião que arrota as migalhas jogadas como ração, pelos bondosos pastores, redentores e mártires, mercadores do mundo sacro. As vastas nuances de distantes montanhas, que ao Sol mudam de tonalidade, ricas e belas, poderosas em sua espontaneidade, rebaixam-se à imagens desfocadas de uma lente sanguinária, interprete da língua mortífera amplificada às almas perdidas. Florestas tornam-se pastos mastigados por bocas obedientes.
Entretanto, a vida que pulsa no ventre magro dos famélicos da terra suplica a morte. A imagem do pastor pisoteada por um rebanho que não é mais de sua posse, esta sim é a suplica dos povos, é a graça recuperada de uma harmonia perturbada. O desejo urgente da germinação floresce exatamente no terreno mais árido,e senti-lo, sentir furiosamente este desejo que é tão delicado, sensibiliza apenas os que esticam bravamente os pescoços para ver as cores da montanha além das cercas frouxas.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

A Vila

Muito lhe foi dito acerca da perspectiva de gozar com seus próprios sentidos. Tocar-se em êxtase, contrair as volúpias de ser ébrio exige, entretanto, um alto nível de notoriedade frente à divina providência, concedida exclusivamente aos fétidos monarcas esmagadores de consciência. Só o flagelo lhe é próprio. Procura por vezes, cores e aromas que preenchem visivelmente os arredores do castelo, sentindo porém que a atração baseia-se apenas em provar por instantes o néctar desconhecido. Não deseja possuí-lo pela eternidade pois não saberia, ao fim da vida, educar seus filhos em um pátio que seus pés não reconhecem. O castelo é místico pois lhe é negada a entrada. A porta que detém as sagradas arcas atrai, e esta é sua exclusiva função, seu grande motivo de existência: Situar posições. Inspira orgasmos que nunca serão gemidos e assim eleva-se em seu pedestal, suprimindo do alto de sua cátedra o morador da vila, dono apenas de suas próprias aspirações. Puro e simples, o habitante encara por horas a cerca e padece do mesmo mal que esgota seus companheiros, o único sentimento a que lhes mantém vivos: esforçar-se em todas as dimensões para que os pedaços de mármore depostos venham a compor as lápides reais, a morada coletiva de todos os monarcas deste pútrido castelo.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

MIRA! O DESFILE VEM DE ONDE??

Infeliz surpresa... todos compartilham o mesmo processo.
Ter de desconversar quando lhes perguntam o próprio nome,
ter de desconfiar a cada sorriso amarelo.

Esta Cria há de trabalhar
ôô se há...

Veio ao mundo desfilar pelas centrais, pelos centrões,
ser amassada nos vagões de uma Estácio qualquer,
chacoalhando no ritmo do cão.

Mas ela há de enxergar
ôô se há...
que sambar só se aprende do lado de cá!

Malandragem contida um dia se vira...
...cala o sorriso do tal amarelo,
arrancando a lama da sola do chinelo.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

REFORMA

Deixa estar...
a velha casa ganha sua nova pintura
paredes e janelas já não trazem marcas.
O cheiro forte do cigarro vai embora
Uma outra camisola veste este doente em sua maca.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

FOLHA UNIVERSAL Nº 666


Reza forte, meu filho

Reza como se fossem lhe arrancar os dentes

Reza porque as algemas lhe apertam e o sangue corre devagar

Faz como teu velho pai,

Reza até chegar a morte,

Porque ela vem mesmo

E se você rezar...

Ela vem até mais rápido!!

Deus há de te ouvir depressa meu filho,

tu vai chegar ao paraíso

antes daqueles que não rezam!

Estes coitados...

Que pena sinto deles meu filho...

Quebram as algemas que Deus lhes deu.

Não rezam!

Não rezam!

Como podem ser livres?

Reza forte meu filho, pois não quero te ver livre.

Não quero que demore a encontrar o céu

O reino de Deus meu filho...

QUERIDO PATRÃO


Sonha...

Sonha com teu passatempo sonha...

...um dia você domina as horas de tal maneira

que teu rosto vai sorrir felicidade

teu “talento” vai atrair amizades como quem

aproveita-se da ingenuidade de uma companheira.

Com tamanha facilidade,

deita e rola pela sacanagem,

sanfona as brincadeiras

num ritmo tão quente

que até o diabo tira o chapéu.

Canta...

Com tua garganta grita...

... uma noite dessas ele descobre teu divertimento na tua cadeira

de tal maneira que teu corpo vai chorar anormalidade

teu desencanto contrai bizarrices como quem

deleita-se da safadeza de sua ratoeira.

Com pequena dificuldade

tua presa implora pela livre viagem

desvia das zombeteiras

numa batida tão de frente

que até um anjo cai do céu.

Santa...

Com tua Tereza Santa...

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

R.E.F. escreve ao pequeno príncipe

... escorregam por entre as vozes de um mundo barulhento,

como o sopro construindo com as sementes que sem querer espalhou,

palavras e formas desconhecidas

estranhas e estúpidas a este mundo apressado.

Sem som

Sem traço

Fundindo tamanha confusão que adjetivo algum ousa pintar.

Arrisco acreditar que nascem com a mesma angústia,

o mesmo suspiro,

a mesma busca pelo silêncio e isso é o que existe de mais belo entre nós.

Por vezes sonho com o nascimento de suas cores no papel,

faço que te tenho por perto...

...vejo debruçada sobre a mesa toda a magia da infância que teima em não se afastar

cultivada com o carinho que se tem por uma rosa.

A única rosa.

A que sempre inspira vontade de voltar.

Sua bem guardada cúpula talvez,

seja a verdadeira responsável pelo grande mistério...

...a rosa:

de tantos cuidados recebidos,

nunca toca o ar árido,

não conhece as gotas de uma tempestade,

permanece cândida na fantasia de sua redoma,

por medo de quem a ama.

E é por medo, que nunca respira a verdadeira vida,

não conhece liberdade alguma,

como uma pequena princesa, envolvida de amor

enquanto seus mentores estão sempre a viajar por outras terras,

provando sabores de outros jardins,

testando a voracidade de outros insetos,

sem nunca conseguir deixar de amar,

nem que seja por um momento,

a rosa mais bela e mais triste deste mundo.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

AFONSO

dedicado à A.H.Lima Barreto

Existe, com razão, a frequência trêmula no tom de voz. Vários foram os momentos em que o ar esteve carregado de impurezas, e ausente foi por tantas vezes o gosto doce, que o ponto de acreditar na eternidade da angústia mirava um alvo bem em frente ao seu nariz.
Cambaleante, recita versos quando o tempo lhe sobra, bebe evadindo-se do próprio corpo e beira o último gole que ronda à sua procura, encontrando-o sempre pior das pernas. O riso, a tosse, o Rio e a posse das almas pobres. A sarjeta, o lar que não foi escolhido é o mesmo que reflete o rosto marcado pela revolta.
Malditos são aqueles que designam a sarjeta como o lar dos Afonsos! Ei de assistir o fim de seus reinados ao lado dos cambaleantes que bebem a pureza e a beleza da doce frequência no tom de voz.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Primeiro verso

O que seria do primeiro verso se não fosse a agonia de querer dizer e não saber como... O primeiro passo sempre foi o mais longo, ofuscando o tamanho do muro e apontando para sua cabeça a mais mortal das armas. A arma dos que se fazem inocentes só para ver seu lápis de lado no primeiro verso. Ver você se afogar na primeira onda, para que sua voz não incomode mais e sua força se torne medo.
Estar disposto a estufar o peito, entregando sua vida para escrever o poema que seu espírito tanto insiste em mostrar ao mundo é a mais bonita das rimas.
Talvez seja como andar na beira do mar e ver revelar-se silenciosamente uma pequenina concha após a fúria cortante de uma onda...

Este texto não prega a imobilidade!! caso você interprete mal...

Existem meios e princípios diferentes de se desligar do que existe de real ao redor de nossos olhos. As formas nem sempre são necessárias e negá-las, negar o concreto dedicando-se apenas ao abstrato interior do conhecimento de si mesmo pode ser um destes meios ou um destes princípios. A negação pode, entretanto, ser uma urgente necessidade de fuga inconsciente, excluída de qualquer criticismo, infantil e desprovida de auto-conhecimento, como anda acontecendo em todas as partes.
Fecho os olhos e as utopias aparecem. Fecho os olhos por revolução e não por medo. Não existe fraqueza alguma. Simplesmente os olhos se fecham e o corpo luta para continuar sendo ele mesmo ao invés de se juntar aos amontoados de carne que desfila sobre os ruídos ofuscantes das luzes de neon.

sábado, 10 de maio de 2008

Enquanto falamos aos nossos filhos

Hoje enquanto a terra vai sendo molhada, todos os sentidos se aguçam num raro momento de beleza. Passamos demasiadas horas sobre solos que não se lavam e assistimos por muitos dias a água escorrer pela negra capa de dureza moderna. Mas hoje não. Hoje a terra vai cheirando prazer e despertando vida aos que respiram. Ao sentirmos em nossas mãos a textura de estarmos vivos, uma corrente de energia vital percorre cada centímetro do corpo, célula a célula, até transbordar a mais nobre exigência que a terra nos incumbe: semeá-la com paixão,sabedoria e respeito para que tenhamos força e delicadeza na hora de mostrarmos aos nossos filhos como é belo o cair da chuva.

O que entendo por amor

Por agora imagine seu corpo submerso no mar.
Prazer e agonia?.
Isto é o que entendo por amor.
“ Parecidos al arroyo que pasa, nosotros cambiamos á cada instante; nuestra vida se renueva por minutos y, si nosotros nos creemos ser siempre los mismo, es por una ilusión de nuestro espíritu.”
Elisse Reclus- El Arroyo

Sobre poesia e luta

É até possível que haja liberdade sem luta, mas deixo isso pros que ainda acreditam em Deus.
Não pense que é pequena a fila dos que se afastam da realidade pela dureza das cenas impressas, pois ficaria de queixos caídos com a surpresa...
Realmente estávamos perdidos até descobrirmos a mágica combinação de poesia e batalha; seguir como seguem os moradores da floresta, vivendo com pássaros e víboras, suculentos frutos em viagens penosas. A poesia protege nossos pés entre espinhos e pedras, nos faz capazes de sonhar bem antes que nossas cabeças toquem o solo, brincando de ser quem sempre fomos, mas nunca ousamos revelar.
Há de se tomar cuidado apenas com as armadilhas oníricas que te fazem adorar mais os pés do que a própria jornada, pois o preço que se paga é nunca ir a lugar algum.

A negação dos prazeres

Sabe-se bem o que querem, estes que teimam em negar pequenos prazeres aos homens e mulheres, estes que possuem as chaves de todas as portas e impedem o acesso à vida. Querem ver nos outros, por não conseguirem sozinhos, que existe ainda emoção, raiva, revolta, repugna, ao invés de apenas ambição e luxúria. Raiva e revolta é o que move o coração dos que dia após dia assistem enfileirados, o desfilar de felicidade a que está fundamentado nosso eterno fechar de portas. Apenas riem como se a vida estivesse por acabar agora, enquanto do outro lado, mal sabem ainda qual o real preço da vaidade.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

A VOZ DO TRABALAHDOR



A Voz do Trabalhador, jornal anarco-sindicalista editado pela Confederação
Operária Brasileira (C.O.B.), no Rio de Janeiro entre 1908 e 1915, recebeu edição
fac-símile em 1985 da Imprensa Oficial do Estado de S.P. ao publicar 71 edições
que se tornam a base desta investigação. Em pesquisa anterior (ARENA, 2007)
foram investigados 21 exemplares, publicados entre 1908-1909. Atualmente estão
sendo investigadas as 49 edições restantes, de 1913 a 1915.
fonte:Referência a materiais de leitura e educação entre os anarco-sindicalistas
(1913-1915). Alessandra C. Antonio, Dagoberto B. Arena. Unesp/Marília. Pibic/cnpq.

A VIDA


A revista A Vida era uma publicação mensal de Filosofa libertária que existiu no Brasil de Novembro de 1914 a Maio de 1915. Saíram 7 números da revista e o grupo que a produzia se dispersou logo depois. Apesar da existência efêmera, a sua importância foi significativa.
fonte:A PEDAGOGIA ANARQUISTA BRASILEIRA Paulo Carrão

A PLEBE


No ano de 1917, Edgard Leuenroth fundou o periódico anarquista A Plebe. Este periódico sofreu várias intervenções policiais e por diversos períodos teve asua circulação suspensa. Edgard Leuenroth encerrou definitivamente a publicação do A Plebe no ano de 1949.

domingo, 13 de abril de 2008

A VIDA DA PLEBE NA VOZ DO TRABALHADOR

Dedicado à imprensa operária livre
Ao final da tarde outra ferramenta será polida, e desta vez nenhum pingo de suor será derramado em vão. Há de se tomar cuidado para que não a trate como uma doce esposa a quem se dedica a vida com amor exclusivo, pois toda ferramenta tem seu fim e quando polida demais o fetiche obscurece a razão.
Nossas vozes nunca serão silenciadas e as utopias não mais haverão de se apagar. É preciso que todos saibam da cor vermelha que tinge nossas mãos por meio de nossas próprias gargantas e de ninguém mais, pois é nosso sangue que toca o solo. Palavras são ferramentas que imprimem vida e luz no papel para que todos sejam senhores da sua própria conquista ao pão, com justiça, alegria e trabalho, destroçando as algemas que em nossos pés teimam em querer nos atrasar. A beleza das palavras está em dizer ao mundo que a liberdade vem da luta.
Entenda que os fortes não se calam jamais, e fortes sempre seremos até que reste o ultimo suspiro de nossas almas, pois desejamos estar livres a todo nascer do sol. Acredite por favor, que enquanto houver acorrentados à sua volta, haverá necessidade de contar sobre a vida da plebe na voz do próprio trabalhador, pois este nunca quis ter sua expressão traçada pelos mesmos canalhas que enfiam a faca em suas costas e depois choram em seu velório.

Carta aos autoritários

extraído do jornal Folha Criativa


Isto que vou lhe dizer estava há tempos entalado em minha garganta e só agora a coragem traz à tona. Falo junto a diversas outras vozes que daqui a diante não mais se calarão, pois contigo vão estar ressoando aos ouvidos.
Tua forte persistência em desacreditar na pureza da vida e na beleza do mundo que cada ser carrega consigo faz-te envelhecer um pouco mais a cada dia. Lembra-te de quando era apenas uma criança? Teu riso encantava e tinha força. Em tempos passados é certo que não ousaria cometer o erro mortal de viver exclusivamente sob o signo da razão e da moral, desmerecendo os sonhos e as virtudes das pessoas, impondo a todos suas nobres verdades.
Estamos só você e eu agora, não poderá assim, ignorar minha voz como várias vezes já o fez publicamente na posse de seu estandarte. Tente não passar por cima de meus ideais, pois estes não mais irão sucumbir à vossa vontade. Tenho conhecido forças em mim que adormeciam em meu âmago e agora vibram como mil tambores em fúria, dispostos a ressoar no peito de todos os que assim como você, insistem em impor medo e autoridade. Tenha clareza de que suas ações são nefastas e possuem poderosas implicações na vida dos que se encontram oprimidos por tua ignorância.
Esta carta foi escrita porque resisto bravamente à sua insensata arrogância e desejo da forma mais calorosa possível que venha a revelar-te tudo o que sempre esteve logo à sua frente e não conseguias ver, estando deveras obscurecido por sua cortina de vaidade. Sigo meu caminho certo de que se lembrará destas palavras como se ditas repetidas vezes, pois muitas vezes haverá de ouvi-las quando meu olhar cruzares com o teu.

SONS EMBURRECEDORES

Estamos em silêncio, nossos corpos respiram com o peito na terra. Nem as perguntas que fazemos ao mundo ou ainda as tolas respostas que receitamos aos ouvintes fantasmas de nossos sonhos fazem sentido agora. A beleza deste momento está na poesia de ficar em silêncio num mundo de sons emburrecedores, como quem cria nos ares de uma noite de verão e dorme docemente com as janelas abertas no murmúrio leviano dos dias ensolarados.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Reclus e a montanha

Homenagem à vida de Elisee Reclus, por sua enorme contribuição ao Anarquismo e à Geografia.
Diversas são as cores que a contemplação nos imprime. O ar fresco e as manhãs da montanha trazem paz à rocha, ao inseto e à erva. Ao homem, que encara os vales e desafia as íngremes escaladas, resta retribuir a impressão de leveza causada pela estada no cume, demonstrando gratidão ao dispor sua vida a munir diversos olhares com os mesmos olhos atentos repletos de liberdade.
Poucos minutos em comunhão com o suave movimento do riacho guiam o espírito mais insensível à consciência de si próprio.Esta cena, de beleza indescritível, traz implicações capazes de embriagar para sempre a alma de qualquer ser, inflando-as de desejos repletos das mais suaves melodias. A contemplação do que é naturalmente belo deverá enobrecer a alma daquele que luta até o fim para que os todos corpos gozem de uma terra sem pátria, sem deus e sem patrão, cultivada com o suor e o amor de quem é, e nunca deixará de ser, natureza.

Infeliz carta póstuma de um militar à sua farda engomada.

Seria injusto culpá-la diretamente de minha morte já que tanto fui informado do destino que me aguardava. Devo admitir que tapei meus ouvidos ao mundo envelhecido de minhas memórias, onde crianças aos berros faziam gestos com as mãos para que me afastasse daquela peça de roupa que tanto me atraia. Portanto tenho culpa por estar aqui duro e frio nesta caixa de madeira. É incrível como a morte faz de você um grande pensador. Ela te dá tempo suficiente para perceber as burrices que fez em vida, apontando um por um os motivos e as etapas que te encaminharam à monotonia do estado de óbito.
Aquela maldita farda sugou meu sangue até a ultima gota. Até meus lábios ficarem secos e minha pele ficar azul, aquele demoníaco instrumento de tortura destruiu os sonhos de uma vida inteira. Fez-me cego e estúpido desde o momento que meus olhos a fitaram pela primeira vez impondo-me suas cruéis ambições e desejos de superioridade. Deixei de ser criança e passei a ser Farda. Toda minha inteligência e emoção foram arrancadas da minha pele para dar espaço ao ser sem riso que tomava conta de mim com aquela roupa.
De nada me serve esta carta, meus olhos já vão sendo devorados por vermes famintos, a carne já vai perdendo cor e as mãos já não tocam seio algum, enquanto vou me tornando o que me arrependo de ter algum dia desejado: FARDA E NADA MAIS!!

terça-feira, 18 de março de 2008

A Morte de Gregor Samsa


O homem revoltado admira-se ao revelar silenciosamente uma pequenina concha sob a fúria cortante de uma onda...
O cheiro forte vinha da janela aberta e parecia empurrar as cortinas expondo as formas monótonas e as cores acinzentadas dos que passavam apressados pelos becos. Cheiro de percevejo. Ao olhar seu corpo e a sentir o cheiro dos becos levantara esta manhã ciente da morte. Ter ciência e clareza da morte traz liberdade sob dois caminhos distintos: o que conduz o punho da espada à luta e o que deixa cair, sem impedimentos, o próprio amontoado de carne do cume da montanha mais alta.
À Noite os maus cheiros dormem, pois não estão a passear aqui por baixo as almas vagantes que o Dia assombra. Voluptuosos sonhos envoltos em perfume de sândalo guiam a eterna caminhada noturna, apreciada em especial por se conhecer a podridão do percevejo. O segredo da Revolução está em fazer de tudo Noite, sempre a caminhar rumo à escuridão sob a lâmina da espada.
Esta talvez seja a vida de Gregor Samsa. Morrer para o mundo das almas que vagam e lutar por uma vida envolta por sândalos.