terça-feira, 1 de abril de 2008

Infeliz carta póstuma de um militar à sua farda engomada.

Seria injusto culpá-la diretamente de minha morte já que tanto fui informado do destino que me aguardava. Devo admitir que tapei meus ouvidos ao mundo envelhecido de minhas memórias, onde crianças aos berros faziam gestos com as mãos para que me afastasse daquela peça de roupa que tanto me atraia. Portanto tenho culpa por estar aqui duro e frio nesta caixa de madeira. É incrível como a morte faz de você um grande pensador. Ela te dá tempo suficiente para perceber as burrices que fez em vida, apontando um por um os motivos e as etapas que te encaminharam à monotonia do estado de óbito.
Aquela maldita farda sugou meu sangue até a ultima gota. Até meus lábios ficarem secos e minha pele ficar azul, aquele demoníaco instrumento de tortura destruiu os sonhos de uma vida inteira. Fez-me cego e estúpido desde o momento que meus olhos a fitaram pela primeira vez impondo-me suas cruéis ambições e desejos de superioridade. Deixei de ser criança e passei a ser Farda. Toda minha inteligência e emoção foram arrancadas da minha pele para dar espaço ao ser sem riso que tomava conta de mim com aquela roupa.
De nada me serve esta carta, meus olhos já vão sendo devorados por vermes famintos, a carne já vai perdendo cor e as mãos já não tocam seio algum, enquanto vou me tornando o que me arrependo de ter algum dia desejado: FARDA E NADA MAIS!!

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