domingo, 26 de dezembro de 2010

Contraditória Cidade

Vai o som novo do dia que nasce.

Traz o que ontem foi felicidade num lampejo de esquina clara que não dorme ainda.
Dança de qualquer jeito a fome grande dos pobres, senhora que é vida antiga,sofrendo no pé cansado.

Ri...

... sustenta o perdão nesse corpo embriagado de rua.

Pede o riso do café no campo com seu sopro quente de útero.
Com sua vida simples pela frente.

Som novo do dia que nasce
Vai...

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Maravilhosa cidade

O áspero das coisas esbarrando pelos dedos e por todo o corpo
pelas ruas e por toda a alma.

A vida embriagada na avenida com ardor no peito e nas costas
e odor de carne e hálito.

O prazer dos pobres temperado com batida de limão
e vigor de sexo dos morros.

Despudor que enlaça disritmia num saldo em sangue
de um partido alto sem glória.

sábado, 27 de novembro de 2010

Caminhos

Pode ter sido o encontro da ostra com o vento nessa ilha de farol abandonado.

E pode ser que não seja nada também.

O mistério de certas coisas soa como o único meio de mantê-las acesas.

Vê.... enquanto houver fragmentos e a vontade de juntá-los como se aperta um nó de presente de criança, tudo estará salvo.

Devaneio algum é bobo demais para se abandonar no meio de tantas reticências, assim como não se abandona olhar para o céu com tantos caminhos guiados por suas estrelas.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Visgo de Jaca

Impessoal como um espelho sem reflexo.

O verso, este visgo de jaca, paralisa o poeta.

Produz a ânsia incontrolável de ser expurgado de um corpo doente
num abissal desespero por solidão.

Age como uma amante.

Sem dono e sem roupa em seus lençóis,
exigindo desejo numa liberdade pegajosa.

URBANIZAÇÃO/2

No dia em que o mundo deixou de ser mundo foi embora num conto de areia em que beira mar chamou.

Debaixo da saia de um amor sujo esfregou a barba nas pernas ninfas do tempo só pra ver o violento enxame da vida fazer sentido novamente, sem ruas em sangue ou perdidas almas atiradas do alto dos morros.

Afrouxando as próprias rédeas pra recuperar o gozo e o sono.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

URBANIZAÇÃO

Ao redor de fumo e pensamentos, um negro silencia o mundo que gira rápido demais.
Frente aos olhos vão as almas e dentro de si as lágrimas.

IRMÃO MEU...

Em um vento sem arestas e num mar sem cabelos, desejo crianças ninadas ao sabor das marés.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

LAROIÊ! MOJUBÁ!

Dá de ombros
Dá de costas
Cego e surdo
Tempo menino que vem com troça de coisa antiga

Não vê que pelo centro a gente vai ao vento e morre oca pregada na cruz.

Não vê que pelos cantos as mãos tem calos e não calam, gargalham alto.

Não vê o povo de rua que resiste.

Não vê nada esse tempo menino que faz troça de coisa antiga.

Dá de ombros
Dá de costas
Cego e surdo.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Aos que saíram mais cedo dessa madrugada

...e ao Paulo que realmente saiu bem cedo.



Aquele trago enevoou sonhos de uma só vez.
Foi embora numa fogueira de imagens e não se encontrou mais nada que se via nas noites de calor, restando do fogo só o frio, a ausência das coisas.
E o fogo tem disso.
Consome cuspindo cinzas, borrando a terra que também consome, se alimentando do que foi brasa, do corpo que dançou vermelho ao vento e que um dia tem câimbra.
E a terra também tem disso.
Bem quando acaba a madrugada dá cama pro que foi lenha enchendo a barriga pra mais tarde parir outra moça que sonha e que gira e que engole pela primeira vez a noite úmida que geme.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Para essa tal vanguarda poética

Anda com o profano.

Anda com os esquecidos, com gente sem chão, sem nada, com os miseráveis.
Anda com gente surrada ao lado da fome de pé rachado.

Escreve com os que não sabem ler e escreve com o escarro preto do sangue da revolta.

Anda com os insultados, com as putas, com os bêbados, anda com a morte das ruas.

Escreve com quem não sabe ler e escreve com a terra pisada da revolta pra ver a semente rasgando a dureza dos vivos.

Vê o povo germinando e se movendo.

Anda e escreve.
Aprende e ensina.

Escreve com a fúria de quem vive a vida dos humilhados.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Cidreira

Neste ramo de cidreira sob chuva escorre o torrão gelatinoso de vida mole.

Observa e deita na varanda o espírito nu com fogosa pele de amante.

Deita um tremor de membros e a vontade surda de que a vida seja Vida.

Vê como deixa levar as folhas mortas,como sacia a sede das paixões
e como exige raízes firmes para sustentar o cheiro doce frente as águas que vão.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Em frente a casa de Lorca

...em gratidão à beleza de uma foto.

Flor.

Com as ervas que sobem brancas pelas paredes, tua casa jardim do poeta pede silêncio ao menino que escuta de olhos cerrados.

Verdes portas são estas que abrem uma vida também minha para clarear o tempo de páginas vividas em amarelo num trópico onde os sonhos não deixam de te desejar.
Por ruas pequenas que abrigam teus passos ensolarados, a poesia tem seu ar de canção do campo que roga por amor que não tentem lhe decifrar pois que é seiva fina de ilusão, tonta para que andemos tontos sorrindo aos bancos frente às Granadinas Barracas de toda sorte.

A poesia é algo que anda pelas ruas. Que se move, que passa ao nosso lado. Todas as coisas têm o seu mistério e a poesia é o mistério que contém todas as coisas.*

É teu vestido branco sorrindo um pequeno poema infinito embebido do azeite quente de todas as almas livres do mundo.

Acredito.
A casa do poeta é seu jardim.




* trecho de Garcia Lorca

Povo que ri

Em uma terra seca.
Sangue coagulado
de um roxo que não vive.

Áridos debaixo de temporal
povo e lona
de um preto que se confunde.

Há sempre sopro quente
de café e de luta
e sem porém há raiva.

Que une.
Que chora.
Que junta.

Junta sonhos, braços,
junta medos, esperanças,
junta cores e luz.

E eis que alguém grita
e outro alguém que ergue a alma
e tudo se move e é mais uma terra plantada.

Já não é mais seca
Já não é mais dor
Já não é mais morte.

Vida que vence
Luta que cria
Povo que ri.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Das ruas que cresci

Subúrbio de eterna infância.
Um caboclo recusando sela à beira do congá
fuma, canta, dança, xinga e luta
vê folha verde na poeira da rua.

domingo, 12 de setembro de 2010

Fim de expediente

Sentou o mundo naquela mesa com seu velho hábito de beber sozinho o ácido e absurdo costume de viver.
O calor vermelho pingado de odores do trabalho jovem criou uma atmosfera rude de barba que coça áspera como se quisesse manter distância da leveza pueril, ou de qualquer outra aproximação cotidiana, mas ao invés de afastar, reunia ébrios novos que não paravam de ser cuspidos dos mais variados instrumentos de tortura. Uma tortura em comum que ligava os corpos maltratados a uma brisa seca de revolta.
Mais forte que o torpor do álcool, raiva que vence a triste misantropia.
Bons ventos, mesmo que grosseiros.
Ar carregado de chuva que não demora a cair.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Palavras de Liberdade

"Llena pues de palabras mi locura
o déjame vivir en mi serena
noche del alma para siempre oscura."

EL POETA PIDE A SU AMOR QUE LE ESCRIBA
Federico Garcia Lorca


Um tempo de sorrir com os olhos que não é jovem nem antigo.
Um tempo que não existe.
Poesia sem idade
fértil, fêmea e gutural.

Um tempo que não existe.
Um tempo de sorrir o beijo dado na calçada do mundo.
Poesia sem verdade
Úmida, quente e doce.

Um tempo de sorrir.
Um tempo que não existe.
Poesia e liberdade,
Luta, sofre e chora.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Teresa e Bernardo

"Os meninos à volta da fogueira
Vão aprender coisas de sonho e de verdade
Vão perceber como se ganha uma bandeira
E vão saber o que custou a liberdade.
"
À Volta da Fogueira : Rui Mingas - Manoel Rui - Martinho da Vila

Acomodou gentilmente as crianças na areia para que pudessem chorar o mar.
Choraram e sorriram ao ver o mar grande indo e vindo a todo instante.
O velho pai com seus anos velhos pôs lenha a arder frente aos olhos doces,
cantou devagar a poesia da rosa e de seu príncipe,
cantou o fogo que levava tudo embora.

Disse que chorassem.
Disse que as lágrimas eram presentes seus e somente seus
dos três sonhadores ao mar, para que as águas tivessem sempre um pedaço de seus sonhos.

As crianças entenderam a dor de ser fruto de um amor de verdade
entenderam a vida com seus medos bobos.

O velho pegou no colo a doçura e apertou bem forte no peito.
Pôs nas pequenas mãos a mesma areia que os sustentavam
e a vida escorreu lentamente pelos dedos
rumo ao mar
onde todo o amor um dia renascerá.

domingo, 8 de agosto de 2010

Sobre o tempo e alguns desejos

"Will the wind ever remember
The names it has blown in the past?
And with its crutch, its old age, and its wisdom
It whispers no, this will be the last..."

James Marshall Hendrix - "The Wind Cries Mary"

Lá pelas tantas o vento sorriu raios de sol lentamente soprando o vermelho sangue dos cabelos.

Aos seus pés o chão vive de mistérios entre pedras, raízes e inocentes flores de desejos novos que crescem e urgem na aspereza madura da vida qualquer poesia boba sobre o proibido passado de semente adormecida.

Diz com voz macia que sua pele deita cartas ao rio com a esperança de ser tocada pelo correr das águas.
Diz com olhos fechados que suas costas arrepiam por repousar na varanda do mundo um verão calmo de nuvens brancas.

E antes de mais nada dê de beber ao sonho em teu sono tão preguiçoso...

...pois quando acordar pela noite e o sorriso soprar novamente seus cabelos, o cheiro doce da aventura descerá ao mortal campo de nossos dias iluminando tudo com um farto céu de novas estrelas.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Sob o efeito de noites brancas

“Mas uma espécie de obscura sensação que lhe magoa e agita ligeiramente o peito, uma espécie de desejo novo, seduz, afaga e irrita sua imaginação, e suscita furtivamente todo um enxame de novos fantasmas.” Noites Brancas F. Dostoievski

Um suor pantanoso que suga toda a verve. Quanto mais seco e argiloso seu prazer inflama, um misto de torpor e angústia faz arder à noite branca com a insônia do despertar de mil primaveras. Injusto verso ausente ao trago amargo da madrugada, com sua vida negra que sangra na busca de um útero fértil para a arte solitária e incômoda do sonhador. São mulheres de enterros e são grutas inexploradas da razão! Imundos fornicadores em festas pagãs correndo nus aos atropelos da bebida trazendo à mente um turbilhão inimaginável de paixão. São noites brancas. Raro riso do poeta.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Dona Beta

Foi um esperneio entre o choro e o medo pisar na folha seca e ver o verde passado esfarelar ao dedo.
Quente e jovem foi também frio quando a vida flácida escorreu mole cada vez mais rio encontrando o mar.
A chuva foi quem viu a velha luz do tempo apagar seus anos pelos ventres como filhos sem avós.

Mas tanto foi, que se meteu no meio da mata e viu pedras antigas de uma antiga cachoeira com musgos novos todo ano.
E foi amor desta vez.

Viu a vida no berço do rio, no verde da folha e no calor da chuva.
Foi filho no colo de sua avó cheirar o perfume do tempo que prepara singelo a mocidade para a hora de deitar.

sábado, 10 de abril de 2010

No cartório

“As cadeias da humanidade torturada são feitas de papel de ministério.”
F.K.


Chove cem anos de solidão na calunga dos pretos novos.
Morrem antes, morrem cedo.
Correm sem sair do lugar em filas de oficiais carentes,
ninfas brancas atoladas num lodaçal de merda quente com baforadas secas da pureza perdida.

O preto e branco de tinta no sangue
como um carimbo de vida sem sentido.
O leva e traz de solidão e desprezo
como a paixão degolada sem olhos nem bocas.

Reconhece a firma fria,
o polegar sujo de uma existência mastigada com areia.

Leva e traz solidão e desespero!!
Teu infortúnio não goza mesmo o salpicar doce dos desejos...

sábado, 13 de março de 2010

Na estação

Receitava humor aos olhos cansados na estação como um exercício de criatividade que parecia um rastro de lama ao soterrar infelizes: cru e inevitável.
Não pelos fatos ou por qualquer outra ninharia, mas por gostar de estar só, manteve o hálito da noite saciada como azeitonas para expulsar qualquer aproximação carente dos retardatários sedentos da estação que corre pelo toque do infortúnio; ébrios unidos sobre a aspereza do solo ao verem em todo fim de tarde um por do sol que ainda vale a pena ser tragado.
O marco, a pedra fundamental que situou o pátio dos pesadelos foi exatamente a sensação de ser ainda tão passante, tão sóbrio, como qualquer outra criação mundana no terreiro dos amaldiçoados, gira de rua do povo malandro, da estação que sente no âmago do lombo o triste peso das correntes, da chibata, do senhor das almas com seu charuto.
Loucura e sanidade.
Afasta a carne podre mas segue com força na ginga que não tira o pé do chão, porque quem cai, vai à toa a vida inteira levando rasteira da ingratidão.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Palavras de criança pra uma vida que chega logo

Manhã que parece uma criança...
pelas frestas espia um mundo preguiçoso,
e com pássaros acorda o silêncio.

Criança que parece mesmo com a manhã...
sorrisos pros de bom coração
e cara feia pros que dizem não.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Para Erêndira um escrito besta

“... vivia na sua penumbra, descobrindo outras formas de beleza e de horror que nunca imaginara no mundo estreito da cama...”
Gabriel Garcia Márquez 1972
A Incrível e Triste História de Cândida Erêndira e sua Avó Desalmada


Viu desta vez as montanhas. Sentiu-se mais do que aliviada e quase absurdamente feliz com uma sensibilidade enfeitando a razão anteriormente reta como se a partir desta aventura os cabelos pudessem lhe cobrir os olhos novamente sem que lhe tapasse a visão. Para tanto não lhe faltou esforços, visto que as raízes dos vivos moirões que a cercavam iam tão firmes e profundas que nem mesmo o farpado de um arame se fazia necessário, reparando ser esta cruel estratégia tão comum e sutil ao redor de seus pastos que agora era capaz de ver por debaixo do solo desértico onde quer que vá.
Não enojava.
Por entre floreios de cores leves levou por seus acampamentos o silêncio nu de quem cava um escape.
Erêndira agora corre. O sol castiga os preguiçosos com seus tentáculos dourados e Erêndida por isso corre mais feroz que o vento da desgraça para as montanhas que sempre sustentarão seu corpo, se assim continuar a cavar sua liberdade.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

O frescor de outra aurora

O braço repousa o suor das cicatrizes em um seio negro.
Na alcova deste monte, onde bocejam bocas de madeira sobre uma cidade que dorme, não há clamor que deixe de chegar ao mar ressoando a injúria de um o gozo engasgado na construção de outra aurora. Feixes de luz não nascem fácil. Cores vivas entre tambores, pálidas em meio ao fumo e escorregadias entre o sexo, compõem a embriaguez necessária à volúpia dos raios da luta. O cenário mais belo reflete o olhar do expectador. No morro, o baixo porto dos botequins foi jogado pro alto com seus senhores e seus ares de manhã, bastando apenas o dia em que o gozo escorra pela aurora de um rígido seio negro e que o sopro refresque o suor novamente.

The Blues are Brewin

Entre a ultima fonte segura de prazer e o nascer de novos pelos na barba rejuvenescida, o firmamento escangalhado com suas reviravoltas parou de vez sobre o próprio eixo.
Era o silêncio de uma menina respirando a paisagem.